Se é pra sofrer, que seja
sozinho, onde seu rosto possa estampar desalento, inchaços, nariz vermelho,
olhar perdido, boca crispada. Se é pra sofrer, que o corpo possa verter,
vergar, amolecer. Se é pra sofrer, que possa ser descabelado, que possa ser de pés
descalços, que possa ser em silêncio. ´
Que os demônios levem pro inferno
aquele que bate à nossa porta bem no meio da nossa fossa, aquele que telefona
bem no auge das nossas lágrimas, aquele que nos puxa para uma festa
obrigatória. Malditos todos aqueles com quem não podemos compartilhar nossa dor,
e nos obrigam a fingir que nada está se passando dentro da gente.
Disfarçar um sofrimento é
trabalho de Hércules. Um prêmio para todos aqueles que conseguem fazer com que
os outros não percebam sua falta de ânimo nos momentos em que ânimo é tudo o que
esperam de nós: nas ceias de Natal, jantares em família, reuniões de trabalho.
Você não quer estar ali, quer estar em Marte, quer estar em qualquer lugar onde
não seja obrigado a sorrir.
Há sempre o momento de pedir
ajuda, de se abrir, de tentar sair do buraco. Mas, antes, é imprescindível
passar por uma certa reclusão. Fechar-se em si, reconhecer a dor e aprender com
ela. Enfrentá-la sem atuações. Deixar ela escapar pelo nariz, pelos olhos,
deixar ela vazar pelo corpo todo, sem pudores. Assim como protegemos nossa
felicidade, temos também que proteger nossa infelicidade. Não há nada mais
desgastante do que uma alegria forçada. Se você está infeliz, recolha-se, não
suba ao palco. Disfarçar a dor é dor ainda maior.
CÁCÁ, "Desalento"
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